domingo, 15 de setembro de 2024

Dr Shallow Grave

Amigos, hoje começarei um projeto diferente, estou escrevendo essa história de mistério e ação a algum tempo. Irei postar capítulos novos todos domingo, e postar as sequências de links nessa primeira história. Não se preocupem que tudo será explicado no tempo certo. Esses primeiros capítulos são um pouco mais introspectivos mas essa é uma história com muitas reviravoltas e sobrenatural, vocês verão no futuro próximo. Podem entrar em contato caso tenham teorias também, irei ler todas! 

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Epílogo

O sol se escondia atrás das casas uniformes do subúrbio, derramando sombras longas e distorcidas pelo asfalto. O som de algo pesado batendo em madeira ecoava pela rua silenciosa. Dentro de uma casa comum, com sua fachada indistinguível das demais, o ruído rápido e metódico soava quase como um metrônomo

TAC. TAC. TAC.

No centro da cozinha, um crânio polido estava sobre a ilha de mármore, brilhando sob a luz fraca. Uma figura se movia nas sombras, sua mão segurando um grande cutelo que subia e descia, cortando com firmeza. O som da lâmina contra a tábua de madeira era ritmado, implacável.

TAC. TAC. TAC.

A poucos metros, a televisão murmurava as notícias da noite. Um aviso em letras vermelhas preenchia a tela: "Degolador ataca novamente".

— Eles não vão pegá-lo, não é mesmo? — Uma voz fina e nervosa veio da escuridão, quase um sussurro.

— Talvez peguem. Talvez não. — A resposta foi grave, rouca, desprovida de emoção.

TAC. TAC. TAC.

— Você não acha muita comoção para um lugar que deveria ser tranqüilo? — A voz fina falou e riu em seguida, mas o riso soou forçado, como se as palavras escondessem um medo subjacente.

— Onde há fumaça, há fogo. — A voz rouca era calculada, quase indiferente. — Precisam de um culpado... Isso pode ser útil para nós...

TAC. TAC. TAC.

A voz fina vinha do crânio na mesa, que girou levemente. O som seco da mandíbula batendo na superfície reverberou na cozinha, e a voz quebrou o silêncio outra vez, agora com uma ponta de nervosismo.

— Onde há fogo, há algo que está queimando! Você não percebe que...

A faca parou de cortar. Tudo ficou em silêncio. O homem pareceu crescer nas sombras, lentamente. Não eram tomates. Ele havia desossado perfeitamente a carne pálida e fria da uma panturrilha humana.

— Um pouco de agitação é bom para a circulação, meu caro Orpheus. — Ele colocou a faca de lado, os olhos sombrios sem desviar do trabalho minucioso que havia feito.

O crânio grunhiu, uma reação primitiva de frustração.

— Ossos velhos como os seus deviam ter mais fé. Se a necessidade chegar... — Ele se aproximou como se sussurrasse um segredo ao crânio. — Eu pessoalmente vou cortar a garganta dessa cidade.

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Capítulo 1

— O que você acha do Dr. Thaw? — perguntou a jovem enfermeira Erika, ajustando a máscara enquanto acompanhava Miriam pelo corredor do hospital.

— Do “Cova Rasa”? O que eu deveria achar? — respondeu a enfermeira Miriam, sem tirar os olhos do prontuário à sua frente.

— Ah, não sei. — Erika sorriu, brincando com a caneta no bolso. — Ele nunca usa aliança. Você acha que ele namora alguém?

Miriam parou, levantando uma sobrancelha.

— Sério, Erika? Ele é todo esquisito, magro como um esqueleto, mal fala com alguém. Só porque é alto e jovem?

— Não é só isso... — Erika deu de ombros. — Ele é um médico incrível. Nunca vi ninguém fazer o que ele faz.

Miriam suspirou. Era verdade. Nos doze anos em que trabalhava naquele hospital, nunca tinha visto um médico como o Dr. Nathan Thaw. Discreto, distante, mas com uma habilidade que parecia impossível. Nunca perdeu um paciente. Nunca. E seu diagnóstico era sempre certeiro, como se ele soubesse mais do que os outros.

— Ele me deixa desconfortável — admitiu Miriam, baixando o tom de voz.

— Por quê?

— Tem algo nele... Algo estranho. Ele não é espontâneo.

— Ah, para com isso, Miriam. Só porque ele é um pouco... Diferente? Você está só procurando motivos para envenenar os outros. Ele nunca fala mal de ninguém.

Miriam olhou para os lados antes de continuar.

— Você estava aqui quando aconteceu aquele acidente com ele?

— O que deu o apelido? — Erika arqueou as sobrancelhas. — Só ouvi boatos. Ele foi atropelado, não foi?

— Sim. Mas o que ninguém sabe é o que eu vi naquela hora. Estava no estacionamento, de frente para a entrada da emergência. A ambulância estava dando ré a toda velocidade e acertou o Dr. Thaw em cheio.

Erika piscou, surpresa.

— E ele não se machucou?

Miriam balançou a cabeça.

— Ele foi jogado longe, Erika. Voou vários metros. Eu corri na direção dele, achando que ele estava muito ferido. Mas ele se levantou como se nada tivesse acontecido. Olhou para os lados e bateu a poeira do jaleco, como se tivesse apenas tropeçado.

— É sério isso?

— Eu vi com meus próprios olhos. E quando ele percebeu que eu estava olhando, sabe o que ele fez?

Erika balançou a cabeça, sem saber o que esperar.

— Ele colocou o dedo na frente da boca. Como se dissesse “Shh”.

Erika riu, mas era uma risada nervosa.

— Isso é loucura, Miriam.

— Talvez seja. — Miriam começou a caminhar novamente, com o coração ainda acelerado ao relembrar o momento. — E muitos já debocharam de mim. Mas eu sei o que vi.

Capítulo 2

Naquele dia o fim do expediente se aproximava, mas o hospital estava longe de se acalmar. No corredor da emergência, o som das vozes e o ruído das rodinhas das macas ecoavam, crescendo como uma sinfonia.

Miriam estava entre as enfermeiras que receberam o homem na emergência. Ele era grande, de meia-idade, suando profusamente enquanto agarrava o peito.

De repente, o Dr. Thaw apareceu ao lado dela, tão silencioso quanto uma sombra, com a prancheta em mãos.

— Qual o quadro? — Ele perguntou, a voz firme e baixa.

— Paciente idoso com dor no peito e falta de ar, provavelmente infarto agudo do miocárdio... — respondeu Miriam.

O Dr. Thaw lançou um olhar rápido ao paciente, apertou seu pulso por um momento e tocou a artéria em seu pescoço. Movimentos precisos, quase automáticos.

— Prepare a sala 3 e comece com 40 mg de enoxaparina subcutânea. Vou revisar os resultados do ECG quando chegarem e já estarei lá.

A enfermeira conduziu o paciente corpulento para a sala indicada e o acomodou na maca. Algum tempo depois, Dr. Thaw entrou. Ele ficou ao lado do paciente, inclinado, como se estivesse cochichando algo no ouvido dele.

Miriam, à distância, observava discretamente. O Dr. Thaw nunca examinava os pacientes na presença de outras pessoas. Preferia a escuridão, a privacidade. Ele era um homem estranho, reservado... Como um médico velho preso no corpo de um jovem.

Uma prancheta bateu na mesa, tirando-a de seus pensamentos.

— Noite agitada, enfermeira Miriam? — Eddie, o enfermeiro corpulento e comunicativo do turno da noite, perguntou com um sorriso largo.

— Tudo normal, enfermeiro Eddie.

— Hum? Aquele é o Dr. Thaw? Não é o Dr. Nicholas o responsável pela emergência?

— Sim, o Dr. Nicholas foi chamado, deve estar chegando a qualquer momento.

— Heh, esse Thaw é uma figura... — Eddie balançou a cabeça. — O cara passa o expediente todo perambulando, entrando nos quartos, se metendo nos pacientes dos outros. É claro, ele é um médico incrível, então ninguém reclama... Mas se fosse qualquer outro... A diretoria adora o cara.

— É... Já o viu cometer algum erro? — Miriam perguntou.

— Na verdade... — Eddie arqueou uma sobrancelha. — Houve uma garotinha...

— Garotinha? Não me lembro dessa história...

— Desculpe, estou sendo injusto. Não foi bem um erro do Dr. Thaw. A menina chegou em choque, aparentemente caiu em um lago congelado... Água a -30 graus. O Dr. Thaw passou quase seis horas tentando ressuscitá-la... Sem sucesso. Foi a única vez que o vi coçar a cabeça e esfregar os olhos... O nome dela era Mary Ann Roberts. Muito trágico.

Pensar no doutor com essa reação fez um calafrio percorrer a espinha de Miriam. O Dr. Thaw era um enigma.

— Enfermeira? — A voz fria do Dr. Thaw estava tão próxima que Miriam se sobressaltou.

— D-Dr.? Como posso ajudar?

— Não encontro minha bolsa preta desde o início do expediente. A última vez que a vi foi perto da recepção...

— Ah, claro, Dr. — disse Miriam, tentando se recompor. — Encontramos mais cedo, está aqui... — Ela se apressou até a mesa central, puxando a bolsa de couro debaixo da mesa.

Ao levantá-la, a bolsa escorregou de suas mãos, caindo com um estrondo. A abertura se escancarou, e algo deslizou para fora.

Era um osso. Fino, polido... Uma mandíbula humana.

Miriam sufocou um gemido, sentindo o olhar do Dr. Thaw cravado nela.

— É uma réplica — murmurou ele, enquanto recolhia a peça e a guardava novamente.

— S-sim, claro, Dr...

No dia seguinte, a primeira coisa que Miriam notou ao chegar ao hospital foi que o paciente corpulento já tinha tido alta. Havia voltado para casa.

Ela franziu a testa. Como ele se recuperou tão rápido?

Capítulo 3

Aquela era mais uma madrugada interminável. Miriam, lutando contra o sono, assistia à pequena televisão portátil no balcão da recepção. O noticiário exibia a análise de mais um especialista sobre os casos do "Degolador", o serial killer que aterroriza a cidade, deixando um rastro de corpos decapitados.

— Veja bem, estamos diante de um psicopata sem igual... Este homem faz uma incisão incrivelmente limpa no pescoço... Não podemos descartar que ele possua conhecimentos médicos...

Miriam balançou a cabeça, tentando afastar o sono que insistia em dominá-la.

— Diabos... Onde está todo mundo? Decidiram fazer uma pausa para um lanche agora? — murmurou para si mesma, sentindo a solidão do turno noturno.

Enquanto caminhava pelo corredor, passou pelo apartamento 7, onde uma paciente estava internada com AVC isquêmico. Ela notou o Dr. Thaw inclinado sobre o rosto da mulher, a luz fraca da sala criando sombras profundas ao redor deles.

Miriam virou o corredor e encontrou um policial fardado esperando na recepção.

— Boa noite, como posso ajudá-lo, oficial? — perguntou.

— Boa noite, enfermeira Miriam. Olhe, sei que vai parecer uma pergunta estranha, ok? Mas o Dr. Thaw que trabalha aqui à noite... Ele está há muito tempo no hospital? Vocês verificam as credenciais dos novos médicos?

— Hum? Não entendi a pergunta, oficial.

— Veja bem, eu tive alta do hospital na semana passada, e numa das noites vi o Dr. Thaw de relance e... Bem, o nome dele não é Nathan Thaw, é Eric Charles. E ele não é médico coisa nenhuma, é um ladrãozinho pé de chinelo de Nova York. Eu lidava com ele na delegacia de lá.

Miriam sentiu um frio na espinha e o mundo ao seu redor pareceu girar por um momento.

— Oficial, o senhor deve estar enganado. O Dr. Thaw tem um rosto comum e...

— Enfermeira... Eu trabalho no departamento de reconhecimento de fisionomia da delegacia há uma década e estou dizendo: é ele.

O coração de Miriam disparou. As peças do quebra-cabeça começaram a se encaixar em sua mente.

“Não podemos descartar que ele tenha conhecimentos médicos...”

Miriam trocou um olhar rápido com o policial, e juntos correram para a sala 7. O Dr. Thaw ainda estava lá, inclinado sobre a paciente.

— Parado! — o oficial gritou, sacando a arma e apontando para ele. — Vire-se e mostre as mãos!

Por um instante que pareceu durar uma eternidade, o Dr. Thaw se virou lentamente, seu rosto emergindo das sombras, fixando-se nos dois com um olhar que Miriam jamais esqueceria.

O dr virou-se e abriu as mãos... Delas saíram um fino pó branco, como cinzas de bituca de cigarro...

Naquela noite o dr foi levado para a delegacia para prestar alguns esclarecimentos e no dia seguinte todos falavam apenas disso.

Eddie contou os boatos sobre o que foi conversado na delegacia... O dr mostrou seus documentos e diploma. Havia sido um mal entendido. Tudo estava certo. O oficial até desculpou-se pelo engano.

Miriam ficou frustada com essas explicações. Mas algo na situação ainda colocava minhocas em sua cabeça.

— Dizem — Eddie continuou com um tom misterioso — Que alguém ligou para o delegado na hora e falou brevemente sobre terem incomodado o dr Thaw... É, amigos, parece que nosso dr possui amigos poderosos que não fazemos nem ideia...

Miriam ainda não estava convencida. Pelo menos apartir de agora ela sabia que o dr Thaw iria se ressentir dela, pela primeira vez ele teria que ter uma reação, qualquer coisa!

Mas não... Nos dias seguintes o dr continuou tratando ela e a equipe exatamente como sempre tratou... Nenhum olhar estranho, nenhuma grosseria, nada...

Erika agora era a fã número um do dr. Ela já havia tentado se aproximar dele de diversas formas como dizer que havia feito “mais almoço” por engano e tentava dividir com ele. Em vão. O Dr “Shallow Grave” era fechado como uma tumba. Não gastava um momento com frivolidades. Era trabalho e medicina durante todas as 12 horas de seu turno, e até para além dele, desconfiava Miriam.

A mulher suspirou. Nada conseguia afastar a sensação que em breve ela descobriria o que ele escondia.