Essa história é o relato de oficiais, encontrado trancado em um cofre esquecido pelo tempo junto com cartas amareladas de outros soldados. A história que se seguirá é uma aventura bizarra e chocante do que esse grupo de soldados viu.
Reorganizamo-las em ordem lógica
assim que possível, avisando quem é o narrador.
-------------------- Orlando. Capítulo 1. “Boca-de-Lobo.”---------------------------
O homem que aqui vos escreve
chama-se Orlando Grimm. Estava de serviço como soldado de nossa amada coroa a
serviço da rainha, no forte no inverno do dia 13 de Setembro do ano de 1588 de
nosso senhor Jesus Cristo (já convertido do calendário Juliano para o
Gregoriano). Os acontecimentos que se seguem aconteceram há poucos dias,
escreverei com a maior riqueza de detalhes possível, um talento meu segundo
meus amigos. Escrevo na esperança de que a verdade em minha história não se
perca, e para o caso destes meus ferimentos levaram a melhor sobre mim nas
próximas horas... Veremos.
Naquela manha de terça feira
fui escalado para fazer buscas junto com o soldado Jerry do naturalista de
nosso acampamento, senhor Rupert Bean, que estava desaparecido desde a manhã do
dia anterior, juntamente com o soldado que enviaram para o acompanhar fora do
forte e até agora não havia dado notícias, Jerry. Saí armado do acampamento ao
primeiro sol junto com meu velho conhecido, Derle Danton.
Por volta do meio dia
localizamos as cores de Jerry, estirado no chão em uma poça próxima a um monte
de arbustos. Parte do sangue já congelado. A noite anterior foi especialmente
fria. Já estávamos no período do ano em que as noites são mais longas. Ele
havia sido atacado violentamente, estava muito machucado e havia um corte em
sua garganta. Havia muitas pegadas e sinal de luta. Nem sinal do velho Rupert.
Havíamos checado as redondezas e estávamos decididos a continuar as buscas
montanha acima, mas, para nossa surpresa, Jerry tossiu. Nunca vi homem
sobreviver a ferimentos como esse, era para estar completamente nocauteado. Mas
ele é jovem e foi nossa decisão conjunta que a prioridade era levá-lo de volta
ao forte, diabos, Rupert poderia já ter voltado para lá. E só tínhamos uma
maca.
Era a última hora de sol quando
encontramos com eles, os três vultos à cavalo na estrada carregavam larga e alta
bagagem digna de uma caravana para aquelas altura continente adentro. Lembro de
perceber os vários retângulos de metal tilintando em uma das cargas, além de
várias outras quinquilharias de madeira e pedra.
- Alto! Vocês estão em
território inglês, apresentem sua afiliação e seu destino, em nome da Rainha! –
Derle gritou ao se aproximar, nossas armas em punho. Um rotundo e grisalho
senhor de grande bigode e cartola se adiantou a mexer em uma bolsa e tirar a
bandeira Britânica, que esticou com satisfação.
- Meus bons senhores,
justamente quem queríamos encontrar aqui nessa região desolada! Também estão a
caminho do forte Roanoke? Meu nome é Heinrich Plum, o mais destemido
entrepeneur do velho mundo, o homem ao meu lado é o mais jovem
cirurgião-barbeiro a serviço de nossa grande rainha, Adam Flint, e o grande
homem de aspecto feroz à nossa frente é nosso guarda-costas e guia o senhor
Roinar.
Lembro da forte impressão que o
olhar gélido e singular de Adam Flint me causou. Era um homem realmente pequeno,
não passaria de 1,5m(4,93f), em seu uniforme azul apertado e boné militar, e
possuía feições como o de um garoto de 17 anos, à exceção de algumas cicatrizes
em seu rosto e lábios. Bem, ele apresentou documentos oficias que o declaravam
oficial inglês e praticante de cirurgia. E que tinha 27 anos.
- O doente. Posso examiná-lo? –
Foi a primeira coisa que saiu de sua boca, ele parecia interessado e apressado
como uma criança por um brinquedo.
Explicamos que apenas amarramos
faixas firmes em seus machucados de acordo com nosso conhecimento.
- O coitado deve ter sido
atacado por selvagens, daqueles que usam muitas facas, entende? – Eu disse. Ele
me ignorou completamente. Fez algo que nunca ouvi falar, derramou um líquido
transparente de cheiro forte nas mãos e nas feridas. Disse que aprendeu isso
com um estudante judeu na faculdade. Tinha mãos muito ágeis. Fez alguns exames
rápidos e lhe aplicou uma espécie de emplasto. Depois disso mudou algumas
faixas que puxaram a maca. Disse que assim ela ficaria mais estável para a
viagem.
- Nesse momento a vida dele está
nas mãos de Ágios Geṓrgios.- Ele disse fazendo uma pequena oração.
A viagem prosseguiu e não pude
deixar de notar o belo animal que Adam Flint cavalgava com precisão. Era um
puro sangue, sem dúvida, e muito bem treinado.
As outras duas figuras também
eram bastante estranhas. O tal Heinrich Plum não calava a boca um segundo,
rindo das próprias piadas. Era um comerciante, pintor, empresário, cantor... Acho
que nem ele sabia o que diabos era. Inclusive mostrou o que havia nas caixas
retangulares de metal, eram seus quadros, ele também os vendia. O tal guia
Roinar era um homem rude de poucas palavras, não pude deixar de notar que
vestia três camadas de roupa bem amarradas, talvez mais.
Já havia anoitecido quando
chegamos ao acampamento. Era uma noite clara devido à lua cheia. O responsável
pelo acampamento era o secretário Dominik, na ausência do comandante John
White, que havia voltado para a Inglaterra a alguns meses para solicitar mais
suprimentos. Ele recebeu os visitantes, os revistou e checou novamente suas
autorizações com alguma desconfiança, que se dissipou quando soube quanto se
dedicaram a cuidar do pobre soldado Jerry.
O pequeno oficial rapidamente
esticou e mostrou um retrato que possuía guardado e cochichou algo no ouvido do
secretário, que fez sinal negativo com a cabeça.
Os homens do acampamento
pareciam crescentemente preocupados.
- Foi atacado com mordidas e
lâminas, senhor. Talvez um selvagem com seu cão - Aquele era o relatório
oficial de Adam Flint.
- É isso, basta!- Dominik
chamou seu assistente pessoal Leeroy, um homem pegajoso e pouco confiável do
acampamento. Disse a ele que segurasse o mensageiro que levaria as próximas
correspondências, e levasse mais uma mensagem às pressas para o navio que
estava ancorado nas costa há poucas horas dali. O instruiu que escrevesse uma
carta pedindo reforço em terra, pois estávamos sob ameaça de ataque de
selvagens. O homem começou a escrever apressado.
- Senhores, receio que tenham
chegado em tensa hora. Esses últimos dias houve relatos de encontros com tribos
de selvagens agressivas, contrárias à autoridade divina nos concedida sobre
estas terras. Há risco de sermos atacados em breve, é conhecido que os
selvagens aguardam noites claras como essa. O acampamento é formado por pouco
mais de cem pessoas, sendo dois terços delas colonos desarmados. Tenhamos
prudência.
Nem bem o mensageiro havia se
posto a caminho Jerry levantou em um salto, para o choque de todos os presentes
na sala. O rosto do homem era o próprio retrato da loucura. Antes que qualquer
um pudesse fazer qualquer coisa ele mordeu o soldado Derle, que urrou de dor. Houve
um rebuliço. Foram necessários quatro homens e vários minutos para segurar o
louco e amarrá-lo enquanto mordia e se debatia como uma besta encurralada. A
ferida em seu pescoço era uma cachoeira de sangue. Sua boca espumando branca.
- O-oque está acontecendo aqui,
por Cristo? – Balbuciou um descabelado secretário Dominik. Os homens estavam
muito nervosos correndo em todas as direções. Adam Flint subiu em uma mesa e
gritou.
- Postura! O homem está doente!
A atenção de todos os soldados
se voltou a ele.
- Vêem a espuma na boca? Ele
foi atacado por um lobo. Já vi coiotes e cães transmitirem a doença, é
documentada e compatível com as criaturas locais. Não há o que fazer, pois não
há cura, o pobre coitado não terá muito mais tempo de vida. E é contagiosa,
cuidado. Acredito que o mistério aqui está resolvido senhor secretário.
Todos pareceram se acalmar um
pouco. Menos o soldado Derle, que foi mordido.
- Calma soldado. – Lhe
asseverou Flint – Ás vezes não deu tempo de chegar ao estágio em que a doença
passa, fique apenas em observação. - Dominik se aproximou deles.
- Oh menos mal, então fico mais
tranqüilo... Acredito que... Já é tempo de nos recolhermos senhores... E pela
umidade talvez haja uma tempestade a caminho. Um de meus assessores, o senhor
Blackberry irá lhes encaminhar para a hospedaria mais próxima e explicar como
as coisas são por aqui. Na volta reforce as lamparinas junto aos muros, ok...
Mantenhamos a guarda alta esta noite. Orlando, fique junto deles o tempo todo.
Acompanhamos os três viajantes
noite adentro e Blackberry mostrou como se orientar pela pequena vila.
- O que acha das feridas do
soldado Jerry, senhor Blackberry?
- E-está falando comigo senhor?
– Respondeu confuso.
- É o mestre do canil, certo?
Vi no quadro de funções. Achou os ferimentos compatíveis com ataque de cão? –
Respondeu um afiado Adam Flint.
- Oh sim. Pode ter sido sim.
Alguns selvagens criam cães bem agressivos.
- Esse ferimento em seu
braço... É recente? Se quiser posso dar uma olhada... – Perguntou Flint
apontando para uma faixa enrolada no antebraço do assistente.
- Oh, na verdade não é nada
demais, tive um pequeno acidente disparando com o mosquete...
Houve um pequeno intervalo de
tempo onde Blackberry viu Flint e Roinar discretamente cercarem-o.
- N-não fui mordido nem
arranhado! É disso que estão desconfiando? – O homem, com raiva, abriu de
relance a faixa, mostrando uma ferida retilínea em um braço raspado.
Procedimento comum para suturas.
Roinar suspirou – Não fique
ofendido, precisávamos ter certeza.
Conforme o homem se afastava resmungando
o grande senhor Plum comentou.
- Selvagens cheios de facas e
cães... Se pudesse escolher preferia enfrentar animais selvagens... Quando o
problema são animais é mais fácil de lidar, certo?
- Não tenha tanta certeza –
Sussurou Flint. – Só quando são animais normais... Que fique entre nós, não
quis falar em meio aquela sala cheia, mas nunca vi doença levantar alguém do
leito de morte para aquele estado... Ainda mais quando o surto começa junto com
a lua cheia...
Naquele momento já desconfiava
que aqueles três homens fossem mais do que aparentavam ser.
--------------------------- Orlando.Capítulo 2. “Mistura”------------------------------
Eram por volta das 19h30min. Antes
de alcançarmos a hospedaria uma jovem encapuzada se aproximou no escuro da
noite. Eu a conhecia do acampamento e já havia conversado com ela em outras
ocasiões. Era Marylin, boa moça. Naquela hora, por um acaso Adam Flint era o
homem ao meu lado.
- Com sua licença meus bons
senhores. Desculpem, me chamo Marylin, sou arrumadeira e ajudo com a
lavanderia... Senhor Orlando... Posso lhe ter umas palavrinhas?
Curiosamente vi que o jovem
Flint ficou tenso e nervoso. Ele pareceu disfarçar e sutilmente puxar seu chapéu
por sobre o rosto, andando um pouco.
- O senhor Rupert não foi
encontrado? Vocês não tiveram nenhum sinal dele?
- Não, senhorita. Encontramos
apenas Jerry. Mas houve luta e sangue suficiente para ele estar envolvido ali.
- Oh, meu bom Deus, eu o conhecia
muito bem, Rupert era um homem bom, eu o conhecia desde o segundo assentamento,
antes de você chegar... Espero que esteja bem onde estiver... – Ela pareceu
pensar por alguns segundos – Senhor Orlando, tenho uma revelação a fazer. Ontem
bem cedo, pouco antes de Rupert sair do acampamento ouvi uma conversa muito
estranha entre Dominik e um homem que não pude identificar, pois estava do
outro lado da porta... Eles diziam... Orlando eles diziam que cobririam um ao
outro... E que seria muito bom se Rupert... Desaparecesse. Juro por Deus! Eles
disseram essas palavras.
Flint pareceu pigarrear a
poucos metros dali.
- Senhorita, sugiro que não
comente sobre isso com ninguém – Foi o que disse a ela – Há algo acontecendo no
acampamento. Ficarei atento com Dominik, obrigado por confiar isso a mim, bem
sei que Rupert era um bom homem. Iremos descobrir o que houve com ele.
Após isso a moça se afastou e
voltou para o escuro da noite, não era de bom tom uma mulher jovem ficar
flauteando por aí.
A hospedaria da vila era apenas
uma grande casa que parecia ter sido levantada às pressas. Possuía poucos
quartos, as camas militares de campanha eram dispostas em um grande hall. Porém
naquele momento estava fervilhando de vida. Colonos, homens e mulheres agitados
e cheios de dúvidas sobre os acontecimentos do dia inquiriam os soldados. A
presença dos três estranhos pareceu deixar os moradores mais tensos. Chegamos
bem na hora de uma fumegante sopa ser servida.
Flint cutucou e comentou algo
com o senhor Plum que não consegui ouvir. O homem apenas sorriu e fez sinal
afirmativo.
- Ora vejam só, quanto povo
preocupado! Será que não conseguimos uma bebida por aqui que possa refrescar
esses velhos ossos?
As pessoas tinham uma expressão
amarga.
- Ah, não se enganem, aonde o
velho Plum chega, a festa chega junto! – O senhor bigodudo abriu uma de suas
bolsas e sacou garrafas de moonshine que estavam ocultas. Pegou também copinhos
e começou a servir quem estivesse em sua frente. A bebida era realmente boa. Os
sorrisos começaram tímidos. Em breve era como se todos fossem velhos amigos.
- Ouvi pessoalmente da boca de
um soldado. – Disse a voz rouca de uma senhora idosa com os olhos brancos de
catarata. – Os soldados comentam que Jerry tem uma tal doença. Baboseira. Ele
foi possuído por um espírito. Já ouvi histórias sobre isso. Os selvagens
rogaram uma praga e seu corpo agora é habitado por uma criatura que apenas
deseja causar destruição!
- Essa terra é amaldiçoada,
isso é fato – Disse um senhor idoso de longa barba e cabelos grisalhos, o
açougueiro, chamado Clyde. – Não deveríamos ter construído a vila tão próxima à
montanha, essa região inteira possui histórias de espíritos e coisas que
rastejam do outro mundo para esse. É tragédia anunciada!
- “Criaturas pela metade levam
existências pela metade” nunca ouviu essa frase das tribos daqui? – Disse um senhor
coxo e careca que carregava uma muleta, era um marceneiro conhecido apenas como
Baker – Essa doença não significa nada. Ele pode ter sido atacado por um
selvagem e por um lobo na seqüência,
enquanto estava caído. A vida desses selvagens não é como a nossa! Podem ter
até plantado a doença no corpo do homem para depois o colocarem aqui dentro!
Deveríamos ter feito esse forte mais ao norte... Tudo isso me cheira a
emboscada.
- Vocês pensam demais. Antes de
estar ao alcance das mãos qualquer inimigo é apenas uma história. O selvagem
estava sozinho e era um alvo fácil. O que quer que o tenha atacado, homem ou
animal, não é risco para a nossa vila. – Falou um homem ruivo e corpulento,
chamado Thorne, enquanto bebericava da caneca. – E você, pequeno, não vai beber
nem comer nada?
Ele falava com um silencioso
Flint sentado no canto da parede. Fez um gesto negativo e comentou algo com
Roinar. Em seguida puxou um rolo de papel e o desenrolou sobre a mesa. Era um
retrato estilizado de uma desgrenhada senhora.
- Algum dos senhores conhece a
pessoa nesse retrato? Ela pode não ser habitante da vila, ter passado aqui há
alguns meses... Qualquer informação será recompensada.
Os colonos passaram o desenho entre
si e fizeram expressões negativas. Flint continuou.
- A última informação que
tivemos dela era que ela andava com um homem gigante por essa região...
Um senhor próximo pigarreou.
Ele bebia de um cantil uma bebida de aroma amargo com especiarias. Vestia-se
todo de preto e tinha óculos circulares e pequenos – Ela não é daqui. Eu a vi
pessoalmente. Estão na vila errada, senhores. Ela passou pelo território
espanhol há alguns meses atrás com alguém que apresentou como filho, esse homem
gigante de que fala. Ele utilizava um saco na cabeça e tinha algum grau de
lerdeza da mente, segundo ela.
Houve um silêncio
desconfortável suspenso no ar.
- Oh, desculpem, não me
apresentei para os visitantes, sou Norton. Sou “diretor funerário”. Naquele dia
eu estava supervisionando alguns caixões com um oficial espanhol. Sem
sentimentos, certo? Negócios são negócios, dos dois lados da fronteira.
- Obrigado pela ajuda bom
senhor – O jovem Flint falou enquanto guardava novamente o rolo e recompensava
o senhor.
- Seus amigos são sérios hein,
senhor Plum, por acaso são do tipo religiosos? – comentou Thorne ao nosso lado.
- Ora, não liguem para esses
dois beatos, foquem-se aqui, uma festa precisa de petiscos, certo? – Disse um
animado senhor Plum puxando agora várias tiras de carne seca da bolsa.
Agora, contando a história,
noto que observadores aqueles três eram... Nada do que comeram e beberam era do
acampamento. E fizeram questão de dividir o que possuíam comigo. Irá parecer
bobo, mas aquele momento rindo e bebendo foi muito importante para mim. Foi a
última parada de tranqüilidade antes do acampamento espiralar em um verdadeiro
inferno na terra.
-------------------------------------------22:00--------------------------------------------
Naquele instante Um homem
irrompeu a porta da hospedaria gritando em pânico. Um dos sentinelas da vila
desapareceu deixando apenas uma poça de sangue.
A chuva já havia começado a
cair.
Soldados estavam com mosquetes
em punho subindo em qualquer local mais alto. Alguns gritavam o nome do homem
responsável por vigiar aquela região.
Boa parte da vila estava ali.
Era tantas lamparinas que o local parecia um evento em praça pública. O vento
assoviava baixo na grama rasteira, e dessa vez estavam quase todos em silêncio.
Roinar comentou sentir um cheiro estranho no ar, azedo e rançoso, como vômito.
O caçador tocou o sangue.
Quente. Olhou os transeuntes.
- Oh meu bom Deus, aqui? Dentro
dos muros? – Comentou Plum por entre os dentes.
- Não foi um selvagem. –
Comentou baixo Flint, adiantando-se ao seu lado.
- Não. Muita bagunça. O homem
era alto. Uma ferida profunda com muito esguicho amplo de líquido. Ouviram seu
grito. Algo o matou e em seguida arrastou. Menos que cinco minutos atrás.
Desajeitado. É animal.
Roinar levantou-se e andou
lentamente como se visse uma trilha. Uma longa faca de ponta curvada estava em
punhos.
- D-do que diabos ele está
falando? – Era o ruivo Thorne, próximo a eles – Nada pode matar e mover com
tanta agilidade um homem inteiro.
- Não foi um grupo também. Foi
um único animal. – Falou Flint olhando os arredores e esticando o polegar à
altura dos olhos como se calculasse distância – Grupos teriam deixa um rasto
largo, teriam chamado mais atenção.
- Inteligente para um animal –
Roinar falou ali próximo enquanto afastava um grande arbusto.
Estava ali, oculto, o corpo do
pobre vigia mutilado profundamente na seção do pescoço – Ele o arrastou apenas
para ganhar tempo. Se fosse apenas fome ou teria ido para mais longe ou teria
mordido mais que isso. Eu diria que é um lobo... Um lobo mais alto que um
homem.
Soldados se entreolharam.
Alguns riram, mas era claramente de nervosismo.
Flint balançou a cabeça. – Que
conveniente isso tudo acontecer justamente quando estávamos para encontrar a
velha senhora criminosa... Agora estamos totalmente envolvidos em uma situação
completamente nova... Paciência... Plum, corra até o secretário e diga para
armarem-se. Já. Haverá mais morte em breve. Orlando. Meu bom cristão. Você
estava fora da vila conosco, confio em você. Em horas como essa, informações
pela metade podem ser mais perigosas que informação nenhuma. Chame já algum dos
homens que você tenha confiança e conheça esse acampamento como se fosse a
palma da mão. Precisamos de mais gente. Alguém facilitou o animal entrar. De
dentro da vila.
Ele pegou um mapa do
acampamento e combinou com todos de se encontrarem em uma hora nas barracas, na
área Leste. Não sei ao certo por que estava obedecendo às ordens daquele
pequeno homem naquela hora. Sua firmeza e raciocínio rápido, talvez, em
contraste com Dominik que era famoso por ser lento em agir.
Então vi Flint correr, junto
com Roinar. Segundo ele precisavam checar os estábulos, e o jovem pareceu
correr como se sua vida dependesse disso.
---------------------- Rutherford. Capítulo 3. “Avistamentos”-----------------------
(Os textos a seguir foram
retirados do cofre, são os relatos do soldado Rutherford, que estava de guarda durante
o dia em que Rupert e Jerry não voltaram, e no dia seguinte. Novamente, já
convertidos do calendário Juliano para o Gregoriano)
12 de Setembro de 1588:
Aqui quem vos relata é o
oficial Jonas Rutherford. Acompanhei o Sr John White desde a segunda expedição
à colônia. Eu era o arquivista oficial do acampamento e como tal uma de minhas
funções era anotar ocasionalmente qualquer coisa estranha que testemunhasse.
Confirmo que as informações a seguir são verdadeiras, peço que leiam até o fim,
mesmo que pareçam absurdas.
Ao longo da manhã acompanhei o
abastecimento de munições do primeiro para o segundo depósito, visto que o
primeiro estava ficando frio demais. Foi deixado lá apenas provisões e um
antigo canhão. Um pouco mais tarde vi o naturalista Rupert sair do acampamento
seguido de dois soldados.
Aquela tarde foi tranqüila. Eu
estava ajudando o secretário Dominik a fazer o controle de estoque quando um
dos sentinelas apareceu bastante nervoso. Ele disse que viu um grupo de
selvagens rondando o acampamento, mas não se aproximaram a mais de 30 metros
dos muros. Dominik pediu para informar o assistente que era responsável pelo
canil reunir alguns cães e homens e fazer uma ronda, aproveitar e tentar pegar
o rastro de Rupert. Apenas para garantir. Todos sabíamos como John White
adorava aquele velho curioso. Só fui descobrir horas depois que essa ordem só
foi cumprida pela parte da noite, malditos incompetentes!
Ainda naquela tarde encontrei
uma carta amassada no chão do escritório. Perguntei de quem era, mas ninguém sabia
de nada. Era uma carta curta agradecendo “as passagens” a algum destinatário
sem nome. Assinada “the Drummer”. A entreguei a Leeroy para que fosse entregue
ao secretário.
O restante da noite foi
bastante tensa entre as sentinelas, fui informado. Até onde sei Rupert não deu
sinais de vida, onde aquele velho tolo estaria? Era a primeira noite de lua
cheia e esperávamos algum sinal de movimentação dos selvagens. O acampamento
não possuía grandes defesas contra grupos grandes. Mesmo assim, apenas vento,
frio e uivos distantes de lobos.
13 de Setembro de 1588:
Lembro de naquela manhã algo
estar deixando os cães do canil mais agitados que o normal, eles não calavam a
boca.
Com autorização de Dominik
enviei dois bons homens para encontrar Rupert e os soldados.
Encontrei uma pistola
ornamentada na gaveta da antiga mesa de John White. Estranho, ele não deixaria
algo valioso assim para trás. Ela ainda possuía uma única bala prateada dentro.
Decidi deixar ela onde estava. Mais tarde iria perguntar de Dominik sobre isso.
No escritório conversei com o
assistente Leeroy sobre oficiais estarem questionando a movimentação de civis
na zona militar, sob ordens dele. Sua resposta foi que o único civil com liberdade
total era o “agente funerário” Norton e apenas para melhor exercer seus
trabalhos, o controle de todos os outros era severamente controlado. Lembro de
dizer para ele que aquele homem era visto com muita desconfiança, inclusive por
Dominik, e que era melhor restringi-lo mais, por questões de
confidenciabilidade. Sinto que fui ignorado.
Os homens voltaram com um Jerry
muito machucado e três forasteiros, o que alguém vem fazer aqui neste fim de
mundo? Até onde sei eles podem muito bem ser espiões da coroa espanhola
querendo saber se encontramos ouro.
Os oficiais do escritório estão
ajudando Leeroy a arrumar o carregamento de medicamentos.
Jerry está com algum tipo de
febre que pegou lá fora, inclusive mordeu um soldado, que foi deixado em
observação. Era só o que me faltava.
O acampamento está agitado. Os
avistamentos da noite anterior e a doença pouco conhecida estão deixando os
colonos falando que o acampamento não conseguiu se estabelecer até agora por
ser amaldiçoado. Besteira. Esse povo tem muita pouca fé. O senhor estranho e
gordo que chegou no acampamento mais cedo passou por aqui e falou algo para
Dominik, que ficou longos minutos escrevendo algo, para então ir ver o que
estava acontecendo. Dominik também não ajuda, parece que ele sempre espera o último
momento para agir!
-------------------------------------------00:00--------------------------------------------
Praça central. A chuva agora
caía forte, sob raios que iluminavam o céu brevemente. O Pânico havia se
instalado na vila. Havíamos descoberto nos estábulos os cavalos mortos a pouco. Seus
pescoços rasgados e seus sons provavelmente abafados durante a última comoção. Havia
mulheres e crianças chorando e gritando por toda parte. Um mosquete atira para
cima. Era um descabelado Dominik subindo em uma caixa.
- Silencio! Todos olhem aqui,
diabos!
O povo, com olhos arregalados
pareciam cordeiros unidos em uma massa só.
- Evan? Hugo? Maldito sejam!
Onde estão todos os patrulheiros que convoquei para reunir aqui?
Ao longo da noite descobrimos
que vários homens estavam sumidos de seus postos. Corpos estavam sendo
encontrados a todo momento.
- Senhor secretário – Era a voz
esganiçada do assistente Leeroy – Alguém apagou todas as luzes dos postos de
vigília acima dos muros... Temos relatos de ataques estranhos todo momento...
Vindos de dentro do acampamento!
Blackberry! Junte todos os
homens capazes! Não acredito que os navios não mandaram alguém até agora! Onde
está aquele tal de Plum... Onde estão aqueles três viajantes malditos em uma
hora como essa? – O homem fez um disparo para cima.
- Me sigam desgraçados, não
seremos cercados e atacados de surpresa como ovelhas! Me sigam todos até o
depósito de armas e...
Dominik percebeu tarde demais.
Os olhos de todos fixos nele. Então fixos um pouco acima.
- Mas o que voces?!-
Era um grunido lento, rouco e
profundo como o de um leão das montanhas. O secretário virou-se lentamente, como
se cada fibra de seu corpo lutasse para obedecer.
Á meia-luz das lamparinas
éramos todos testemunhas, um lobo horrendo e deformado estava ali. Sua cabeça
era pelada, com feições sinistras e um focinho curto. Erguia-se a quase três
metros do chão. Estava tão próximo que sua respiração jogava ar quente na face Dominik.
Sua pele eram partes espaças de pêlos cinza e carne exposta, como uma criatura
que havia escapado de um incêndio com cortes e queimaduras pesadas. Sua boca
era retorcida em uma ira que lembrava vagamente um sorriso.
Sua boca imensa engoliu a
cabeça do homem com velocidade sobre-humana em meio a um crescendo de gritos de
loucura e pânico. A noite explodiu em rosnados.
----------------------------- Orlando. Capítulo 4. “Pray”-------------------------------
Era por volta das 23 horas. Sons
de tecidos e coisas metálicas caindo no chão enchiam o ambiente.
Eu havia convencido a vir
comigo o único homem no acampamento em que podia confiar minha vida, o velho
soldado Erin Prinkett. Estávamos de guarda na porta das barracas enquanto
Roinar e Flint reviravam camas e armários.
Os dois haviam chegado fazia
poucos minutos, vindo da direção dos estábulos. Flint vinha montado em sua égua
puro-sangue, eles trouxeram a maior parte da bagagem deles para a nossa
surpresa.
- Isso é traição. Vocês estão
loucos. – a voz rouca vinha do velho Prinkett.
- Cale a boca um segundo, pelo
amor de Deus, velho. Tudo que fez até agora foi reclamar. – Insisti na
esperança dele ficar um pouco quieto.
- Ouvi suas histórias absurdas
de lobos espreitando dentro de nosso acampamento, Orlando... E não engulo essa
merda. Segui esses homens desconhecidos... Não temos autorização para revirar o
acampamento e esperar que...
Flint pigarreou e aproximou-se
de nós. Revelou uma mancha linear de sangue próxima à gola de um uniforme
dobrado.
Eu e Prinkett nos entreolhamos.
- Garoto, são soldados. Sangrar
é parte do ofício.
- Somente nos uniformes de quem
estava escalado para as sentinelas? As manchas todas próximas da mesma região?
É uma prova fraca, mas se soma às outras...
- Prova de quê? – Murmurou
Prinkett.
Roinar assoviou da porta. Um
sinal para ficarem alertas. Flint lentamente nos puxou para fora.
- Alguém plantou um cheiro nos
uniformes para fazer os lobos atacarem primeiro as sentinelas. – Flint apontou
para uma cabana próxima – Me explique senhor Prinkett, no caminho encontramos
uma abertura estranha feita próxima à região Leste do muro. Próxima do segundo
depósito de suprimentos. Vimos soldados correndo no caminho para cá, disseram
que outro sentinela foi encontrado morto. Conhece um animal selvagem que passe
ao lado de um estoque fragrante de carnes e as ignore para atacar diretamente
os homens? Não... Há raiva envolvida nas ações aqui. Posso sentir.
A chuva caía fina em nossas
cabeças. Prinkett engoliu um seco.
- Se tudo isso fosse verdade.
Como ainda não encontraram nenhum lobo? A vila não é tão grande assim.
- A vila possui pouco mais de
cem habitantes, a maioria está em casa nesse horário... Oficiais são por volta
de quarenta... Por isso precisava vir até aqui. Em breve eles não farão questão
de esconderem-se. Então não poderia mais investigar. Tenho alguma ideia de quem
possa estar por trás disso. E digo mais. A gravidade do dano que abriu o buraco
no muro Leste... Ou não foi feito em um dia ou foi feito por pelo menos duas
pessoas...
Algo estalou do escuro próximo a
nós e todos viramos.
- Senhores, permitam-me. – Falou
Flint. Em seguida puxou uma de suas bolsas. Seu fundo era falso. Havia várias
pistolas Wheel-lock, que foram distribuídas. Flint sacou uma de cano duplo e
deu outra a Roinar.
Eu e Prinkett estávamos armados
com mosquetes, e pelo visto não eram apenas nós. Lembro de pensar quantos
segredos esses dois estariam escondendo de nós?
A pequena capela era próxima às
barracas... Os ruídos pareciam vir de lá. Nós quatro caminhamos lentamente e
empurramos a pesada porta, que estava entreaberta. Jamais esquecerei... O ruído
molhado seguido de um chiado como algo soprando pouco e criando borbulhas. Sob
as luzes coloridas dos vitrais... O sacerdote estava no chão, aberto como uma
melancia. Sobre ele, um monstruoso lobo agachado rasgando sua carne, seu corpo
era magro com poucos pelos e ele era cheio de sangrentas feridas abertas. Seus
dentes eram ferozmente longos e pingavam uma espuma espessa. Ele ergueu a
enorme cabeça e virou-se em nossa direção, com ira nos olhos vermelhos.
Não perdemos tempo, todos começamos
a disparar contra a criatura. Ela rosnou, quase como se ignorasse nossos tiros
sendo cravados em sua pele, e saltou, tentando se ocultar nas fileiras de
cadeiras. Abrimos espaço atirando e circulando ao redor da fera. Com toda a
agitação acabamos cada um indo para um lado. Nessa hora eu estava de costas
para a parede, a criatura pareceu mudar de postura. Ela iria saltar em minha
direção. Um tiro voou certeiro em um dos olhos da besta, que pareceu se agachar
com a pata sobre ele. Para nossa sorte, era Heinrich Plum com um mosquete,
posicionado na porta.
Roinar no mesmo momento saltou
em direção à criatura que, como se um reflexo além da natureza a movesse, virou
a cabeça e fincou seus dentes no braço do caçador. O homem sequer vacilou, cravou
uma longa faca instantaneamente em sua garganta. Vimos a criatura sangrar e
cair no chão com um baque úmido.
- Para, pare aí onde está –
Thorne rosnou. Apontando uma pistola para Roinar – A criatura o mordeu! Você
está infectado, não devia ter sido descuidado!
Roinar puxou levemente sua
camisa de peles, revelando que ele possuía placas de metal revestindo os antebraços.
Aqueles homens eram preparados... Mais que nós.
O caçador deu um suspiro de
desdém e balançou a cabeça.
- Esses são seus homens de
confiança, Flint?
- Chega disso – Adam Flint
suspirou enquanto checava um relógio de bolso – Termine o trabalho, já estou
contando o tempo.
A criatura deformada exalava um
cheiro azedo de bile intenso e repugnante. Com um movimento rápido e decisivo
de sua faca extremamente afiada Roinar separou a nojenta cabeça coberta de
feridas do corpo do lobo. Fez um sinal como se medisse um palmo e jogou a
cabeça a aproximadamente um metro. Ela bateu no chão de pedra com estalo. O
grupo aproximou-se do corpo. Roinar procedeu para introduzir a faca em suas
vísceras.
- Essa criatura horrenda é uma
piada da mãe natureza – murmurou Plum.
- Demos sorte. Esse deve ser
dos pequenos do grupo. Maior que isso engoliria meu braço inteiro e a proteção
seria irrelevante.
- C-como você conseguem relaxar
em um momento como esse? Se formos atacados por outra dessas coisas? –
resmungou Prinkett.
- Improvável. Para cobrirem a
dimensão da vila suponho que sejam pelo menos sete ou oito. Atacando
individualmente. Estão dando prioridade para atacar todos que estiverem
afastados do centro. Se aproveitando dos lugares mais solitários... Acredito
que temos por volta de seis ou sete minutos. – O jovem Flint pareceu meditar
por alguns segundos sobre os órgãos que Roinar retirava da criatura, incluindo
um pulsante coração do tamanho de um melão.
- Prestem atenção em mim –
Suspirou Flint. – A criatura tem órgãos e ossos como um lobo normal. Seus
pêlos, carne, presas e garras têm a resistência de um animal comum. Grande e
esquisito, mas nada acima da natureza. Esse aqui é o verdadeiro problema.
Do buraco no pescoço surgiram
fitas de tecidos que pareciam se esticar vagarosamente
- Conheço esse tipo de
regeneração, e esse é um bom tamanho para dois minutos desde que foram
separadas, nem preciso olha para a cabeça, fibras de tecido também deve ter
surgido nela.
- Hã? O que diabos isso
significa – Choramingou Prinkett.
- Olhem os órgãos. Cada um está
se cobrindo rapidamente de uma camada de tecido... Observem as partes aos seus
lados, senhores. As partes dessa criatura irão se mover em direção à parte mais
próxima. Quando conseguem seus tecidos “colam” de novo.
Os olhos de Prinkett pareciam
querer saltar do rosto.
- Não entrem em pânico
senhores. Plum? Está liberado para tentar o quiser – Flint falou então se
voltando para nós. – Já lidei com criaturas sobrenaturais antes. Você descobre
de que tipos são então de qual é a fonte dos poderes deles e então deduz suas
fraquezas. Elas sempre têm uma. É a forma que a natureza funciona, poderes vêm
em troca de fragilidade contra algo. Algum dos dois senhores conhece alguma
lenda local sobre como enfrentar uma criatura assim?
- Não, porra, não sabemos como
matar a porra de um lobisomem – Rosnou Prinkett
- Não é um lobisomem. As lendas
não batem. – Flint falou com brilho nos olhos. – Ele não reverteu à forma
humana, ou demonstrou inteligência de nível e compreensão humana, apenas
ferocidade. E esse cheiro putrefato que cobre seu corpo... Conheço relatos de
lobisomem, eles andam normalmente em duas pernas e poderiam ser confundidos com
um homem muito grande e peludo. Esse é um lobo grande. – O jovem pareceu
refletir.
- E outra coisa. Se o culpado infiltrado
no acampamento fosse um lobisomem, ele se transformaria descontrolado na lua
cheia. Não... Existem mãos de aspecto humano em ação nesta noite.
- Lobisomem é coisa rara –
Falou Roinar – Um só é motivo para lendas. Um grupo deles atacando o
acampamento... Não se ouve lendas disso.
- P-podem ser um grupo de
selvagens q-que viram lobos – Balbuciou Prinkett.
- Essa “febre do lobo” é uma
coisa estranha... Se fosse um lobisomem sobreviver ao seu ataque te infectaria
para que você virasse outro lobisomem, o que não está ocorrendo... E ainda tem
o enigma sobre essas feridas... – Flint falou ajustando o chapéu - Como uma
criatura que pode regenerar tão rápido seus pedaços está coberta de feridas em
carne viva? Elas lutaram com algo antes de chegar aqui?
- E s-se os selvagens c-criam
cachorros que viram lobos gigantes na lua cheia? – falou Prinkett.
- Sr Flint, venha ver! – Um
animado Sr Plum o chamou. – Testei a resistência dos órgãos a substâncias
diversas. Fogo, álcool puro, chumbo, cobre, ouro. Todos parecerem ter pouco
efeito. Mas olhe o que aconteceu com o coloquei em contato com a amostra de
prata. – Ele apontou para um intestino que apresentava grande marca preta,
semelhante á grave queimadura química.
- Perfeito, como disse, nada na
natureza é a prova de falhas. Sr Roinar acople a prata em sua faca e extermine
a criatura, já temos de ir andando.
- V-vocês são loucos. –
Prinkett parecia profundamente perturbado – Vocês reviraram com toda
naturalidade a criatura como se eviscerassem um peixe em um dia de feira! E
ainda fazem isso normalmente em uma capela! I-isso não pode ser cristão! Q-quem
são vocês? Exijo respostas!
- Somos a cura para o mal
senhor Prinkett – Flint falou friamente enquanto lavava as mãos – O vaticano
vem trazer a paz. Nós viemos trazer a espada. Vivemos cada dia preparados para
voltar para os braços do pai, se assim for de sua vontade.
Ao longe, uma agitação era ouvida
próxima à praça, seguida de gritos e tiros.
- Não temos mais muito tempo. A
incompetência do secretário tornará as próximas horas extremamente perigosas,
senhores. Oficiais Orlando e Prinkett, daqui para frente não discutam qualquer
ordem que eu der, por mais trivial que seja. É a única chance que essa vila
terá de estar em pé ao amanhecer. Gostaria de saber se o acampamento possui
alguma fundição. E senhor Plum, prepare a bolsa com a dinamite.
------------------------- Rutherford. Capítulo 5. “Colateral”--------------------------
Tudo aconteceu muito rápido.
Quando dei por mim já era uma hora da manhã. Alguém deixou uma lamparina cair e
acabou incendiando uma parte do acampamento... Dava para ver por uma fresta... Eles
estavam por toda parte. Assim que as criaturas se revelaram nos fizeram parecer
imbecis. Como chegou a esse ponto? Como esses lobos monstruosos entraram em
nosso forte e se esgueiraram embaixo dos nossos narizes?
Os membros do escritório foram
atacados um a um, como se os lobos nos farejassem. Todos testemunharam
Blackberry ser mordido pelo ombro e arrastado gritando pelo campo por um lobo
do tamanho de um cavalo. Aquele desgraçado não fará falta.
Naquele momento eu e mais
alguns poucos oficiais estávamos barricados em uma casa. Meu Deus, os gritos e
o choro toda parte eram enlouquecedores. Vi com meus próprios olhos as
criaturas levarem tiros e continuarem como se aquilo fossem picadas de mosquitos.
Elas corriam e pulavam de um lado para outro, abocanhando os colonos com tanta
força que estouravam como frutas podres. Estavam sempre farejando o ar, era
quase como se procurassem por alguém. Eu só rezava para que tudo aquilo
acabasse. Leeroy, ao meu lado, chorava como uma garotinha. O homem sacudia a
cabeça e murmurava nomes desconexos como um louco.
Alguém bateu em nossa janela.
Eu conhecia aqueles olhos. Era o civil Norton, que se aproximou agachado de uma
fresta da janela. Ele sussurrou alguma coisa sobre espaço dentro da casa. Aí
fez algo muito estranho. Olhou quem estava ali dentro comigo, então
desconversou e afastou-se se embrenhando na escuridão. Como assim? Esse
desgraçado sequer pediu para entrar... E-ele preferiu arriscar os lobos? E pelo visto eles não
eram estavam sozinhos...
Por aquela fresta de onde
estava vi coisas absurdas, mas nenhuma se comparou àquela... Os colonos haviam
esmigalhado o corpo de dois lobos menores com machados e porretes. Os corpos
então lentamente... A carne deles esticou e contorceu... Os dois corpos se
juntaram em um. Em segundos surgiu uma cabeça careca de homem do meio deles.
Juro por tudo que é mais sagrado. Um corpo vagamente humano ficou sobre dois
pés em meio a uma tempestade de patas, dentes, pelos e ossos de lobos girando.
Ele olhou bem nos meus olhos com um brilho animalesco, então correu
“tropeçando” para a noite.
- São Skinwalkers senhor. –
Disse um soldado bem jovem e muito sujo ao meu lado. – Existem lendas de homens
que podem vestir e virar animais nessas terras... Eu também vi tudo, senhor...
Para mim, naquela hora, a única
explicação é que os espanhóis estariam fazendo experiências bizarras de
cruzamento dos lobos com... Alguma coisa... E o resultado eram essas
aberrações... Alguma coisa aconteceu e elas vieram aparecer aqui. Diabos,
talvez a coroa espanhola até tenha plantado eles aqui dentro.
Então algo aconteceu. Como se
um estalo acontecesse no ar, vários homens ao nosso lado pareceram se contorcer
estrebuchando no chão... O que estava acontecendo? Em poucos segundos começaram
a se debater e suas bocas a espumar. Não fazia sentido, esses soldados sequer
foram mordidos pelas criaturas...
- A sopa – Leeroy balbuciou –
Colocaram sangue de lobo na sopa.
---------------------------- Derle. Capítulo 6. “Ponta
soltas”--------------------------
Eu sobrevivi até aqui. E por
isso sou grato e escrevo, meus bons senhores. Não vou negar, assim que vi o que
“a febre” fez com o soldado Jerry pensei que meu destino estava selado. Aqui
nesta cela vi por uma fresta na parede o acampamento virar o inferno ao longo
daquela noite.
Mais cedo testemunhei a apatia
e a raiva dos outros soldados para comigo. Alguns que eu julgava serem meus
amigos vieram aqui apenas para me desejar os pêsames através das grades de
madeira. Alguns tiverem a pachorra de me cobrar dívidas, pedir para pilhar
minha bagagem como pagamento... Quando eu me fosse...
Era noite quando o assistente
Blackberry veio falar comigo. Aparentemente a agitação que vinha vendo pela
fresta mais cedo era por que encontraram um sentinela morto. Ferimento parecido
com faca no pescoço. Eu achava o homem um incompetente, digo, como ele saiu
para procurar Rupert e não encontrou a poça onde achei Jerry? Agora o respeito
mais. Ele veio me falar que eu parecia bem, que ele não acreditava em teorias
mirabolantes de selvagens plantando doenças nem lobos gigantes. Que era tudo
uma grande e merda coincidência. Perguntou se eu me sentia estranho. Disse que
era melhor eu ficar ali dentro que era mais seguro que lá fora. E não falar nada para mais ninguém. Talvez
houvesse um espião espanhol no acampamento. Ele me falou isso e disse que
precisavam dele de volta no canil.
Agora até me sinto abençoado,
aqui no escuro da prisão. Nesse momento todos haviam ido. Os dois soldados que
ficam aqui saíram correndo e nos deixaram. Jerry está na cela ao lado.
Contorcido e rastejando de quatro. De vez em quando parece farejar o ar e
saltar nas grades. Louco.
Um estalo aconteceu na porta.
Alguém encapuzado e ensanguentado, com uma lamparina. Era a jovem Marylin.
Acompanhada de um homem grande com um mosquete tenso nos punhos. Era o civil
Thorne. Ambos estavam cobertos de sangue. Ela parou na porta da minha cela,
olhou para os lados. Thorne veio e apontou a arma para mim. Vi a vida passar
pelos meus olhos.
Ele atira no cadeado. Marylin
me chama baixinho.
- Levante-se homem, precisamos
de toda ajuda que pudermos. A vila... Está sendo atacada por lobos gigantes. Ou
criaturas que parecem lobos... Ninguém tem certeza. Há muitos, muitos mortos.
- Eu... Por que veio aqui? Por
que por mim?
- Essas criaturas, elas estão
atacando de forma organizada... Imaginei não estariam interessadas em nada aqui
nas celas. Você é um soldado treinado. E também... Ouvi que Jerry mordeu você
e...
- Você queria checar como eu
estava, não é? Se eu havia me transformado?!
- Pelo sangue de Cristo, estou
tão feliz que você esteja bem! Sabe o que isso significa? Significa que os
lobos podem transmitir a febre, mas alguém com febre não passa ela adiante!
- É... “Criaturas pela metade
levam vidas pela metade” é o que dizem, ou algo assim. - Thorne cuspiu no chão
– Mas também significa que não é doença. É bruxaria então! Eu tenho minha
teoria. Isso é necromancia das brabas. Esses lobos estavam mortos, daí as
feridas recentes. Um xamã dos índios os encheu de “energia da noite” e os
levantou da cova. Por isso fedem tanto a azedo.
Na hora eu estava mais focado
em sair dali vivo.
- Fiquei com medo quando vi
vocês entrando... Por que estão cobertos de sangue?
- Foi ideia minha. É sangue que
tiramos de corpos de lobos caídos. E eles ficam caídos por pouco tempo... Eu
imaginei que se tivéssemos o cheiro deles eles nos ignorariam. É só ter cuidado
para não coçar o olho ou colocar na boca. Gosto de pensar que foi por isso que
chegamos até aqui. Vamos! Temos uma arma para você.
Ao sairmos das celas
encontramos com três soldados desarmados. Rapidamente nossos sorrisos se foram.
Seus rostos estavam contraídos de ira. Seus corpos cheios de espasmos leves. Estavam
com a febre. E saltaram sobre nós como feras.
Consegui acertar um deles em
cheio com o mosquete. Thorne não teve tanta sorte. Estava no chão apenas com o
mosquete entre ele e o homem tentando morde-lo. Tive que ir ajudar Marylin, um
dos soldados segurava sua mão e parecia tentar farejá-la. Eu o interceptei bem
a tempo, com uma poderosa coronhada na nuca. Depois pude ajudar Thorne. Ele
havia sido mordido... Mas eu era prova de que não havia risco. Sobrevivemos por
muito pouco. Matamos três deles. Thorne era o mais ferido, mas conseguia
prosseguir.
- Curioso – Ele tossiu –
Encontramos alguns deles no caminho até aqui... Mas só há soldados com a
febre... O que diabos isso significa?
Ouvimos uma grande explosão. O
chão tremeu.
---------------------------- Orlando. Capítulo 7. “Choque”----------------------------
Tínhamos passado as últimas
horas tensos dentro de um parte antiga do acampamento que possuía um forno
grande de fundição. O senhor Roinar derreteu cálices e várias outras peças de
prata que pegamos da capela. O senhor Plum colocou munição na areia, fazendo
pequenos e redondos moldes, que usamos para forjar pequenas balas de prata.
Nossas armas precisavam de muito tempo para recarregar, a maioria das vezes só
tínhamos oportunidade para um disparo, e a pouco mais de 15 metros. Então nesse
meio tempo improvisamos placas de madeira de lei e metal para revestirmos
nossos antebraços e costas.
Estavam surgindo soldados com
“a febre do lobo” a todo momento. Nós caíamos todos sobre eles assim que
entravam pela porta, e cortávamos suas gargantas. Estávamos tentando chamar
pouca atenção. Talvez eles estivessem sendo atraídos pela fumaça que era
visível saindo da chaminé. O que importava era que os lobos não haviam notado
esse lugar. Assim que juntamos uma quantidade razoável o senhor Flint nos guiou
para a próxima parte do plano. Entramos no segundo depósito de suprimentos.
Faltavam alguns minutos para
uma e meia da manhã. Flint ajustou um longo pavio e pareceu fazer contas
enquanto olhava para seu relógio do bolso.
- Ele é bom com o timing dessas
belezinhas, fiquem tranqüilos. – Cochichou o senhor Plum para mim e Prinket.
- Eu espero, tem o suficiente
aí para mandar o acampamento inteiro pelos ares. – Argumentou o velho soldado
Prinkett.
- Nem tanto, preciso chamar a
atenção das criaturas, para poder criar uma distração e salvar o máximo de
pessoas possível. A forma correta de fazer as coisas em momentos como esse... É
unir as pessoas, mesmo que signifique chocá-las ao mesmo tempo – Flint falou
enquanto seus olhos pareciam brilhar com o fogo.
Plum nos estregou um pequeno
frasco para cada.
- Ideia do senhor Roinar, esse
pó é concentrado de uma planta urticante. De uma das bolsas. Coloquem em
qualquer coisa que vocês queiram que os lobos se arrependam de farejar. O nariz
sensível deles sofrerá imensamente, heh.
Flint estava esfregando o pó na
traseira de sua égua. Uma das caixas na lateral do animal pareceu se abrir por
acidente, deixando cair um dos retratos que o Sr Plum guardava. Peguei para
devolver ao senhor Flint e que susto tomei. A imagem era chocante. Uma velha de
aspecto horrendo estava na imagem. Seu corpo era um amontoado de feridas e
doenças. O rosto dela... Seus olhos eram frios e brancos como o gelo. Flint
tomou o retrato de minha mão.
- Ignore o que não faz parte da
missão, soldado. Temos maldições aqui... Talvez piores que as criaturas que
estão atacando o acampamento.
Então parou para fazer um
carinho na crina de seu puro-sangue.
- Minha querida. Corra livre. Mantenha-se
o mais longe possível dos lobos e de nós. Chamarei-lhe se preciso for.
Então acendeu o pavio.
Nós cinco fomos nos esgueirando
pelo escuro em frente, o objetivo era chegar o mais próximo possível da
hospedaria e avaliar o movimento dos monstros. Estávamos agora no que seria um
corredor de casas até a praça central.
O acampamento a aquela altura
era uma visão aterradora. Haver tanto silêncio naquela situação era talvez o
mais perturbador. Muitas casas e construções estavam em chamas. O resto oculto
em um escuro frio. A chuva ainda caía fina. Haviam corpos mutilados e longas
faixas de sangue espalhadas por toda parte. Inclusive sobre o fogo. Metades de
pessoas jogadas e espalhadas. Seus rostos contorcidos de morrerem gritando. O
cheiro nauseante de carne queimada... Tivemos pouco tempo para ficarmos
chocados, antes que pudéssemos nos esconder nas paredes.
Os lobos surgiram. Farejando o
ar e olhando por todo lado. Para nossa surpresa, o tamanho e profundidade de
suas feridas agora eram bem menores. Os olhos vermelhos brilhavam. O focinho
retraído como numa expressão de ira constante. Ali estavam cinco deles. Lembro
de pensar que era nosso fim. Organizados, monstros desse tamanho nos
despedaçariam em segundos. Todos tencionaram as mãos nas armas, enquanto lentamente
se moviam da parede onde estavam. Se eles se aproximassem literalmente mais um
metro seríamos obrigados a nos revelar.
A explosão veio.
Tão alta e violenta que todos
sentiram o chão tremer. Uma gigantesca nuvem de poeira seca voou por todos os
lados. Dificultando a visão. Pedaços de carne que estavam no armazém também
caíram chapiscados por toda parte. Flint estava certo. Aquilo foi
impressionante. Não sei por que os navios ainda não haviam mandado os homens do
reforço, mas agora uma explosão daquelas... Seria impossível ser ignorada.
Os lobos correram na direção do
epicentro para analisar. Tínhamos alguns minutos de vantagem.
A hospedaria não era mais a
mesma. A entrada, o saguão principal, estava tudo destruído. Estilhaços por toda
a parte. Os lobos já haviam passado. Sangue nas portas e janelas. Eles
mutilaram dezenas de pobres colonos que estavam escondidos aqui. Corpos que
claramente haviam se levantado com a febre, agora jaziam despedaçados por
armas. Algo estalou a madeira próxima. Era a jovem Marylin. Ela estava
acompanhada de Derle e Thorne. Os três cobertos de sangue (eles explicaram
melhor depois).
Flint suspirou aliviado. – Temos
que nos organizar e montar um plano.
Havia um alçapão mais à frente.
Havia um porão de suprimentos ali que, deduzimos, serviria de bom esconderijo. Havia
marcas de unha e rastros longos deixados por dedos ensangüentados. Alguém
morreu tendo negada entrada.
Uma voz rouca e desconfiada questionou
quem batia. Era Baker, reconheceria a voz do velho de longe. Plum o convenceu a
abrir.
-------------------------------------------02:00--------------------------------------------
Logo eles perceberam que
estávamos bastante armados e se contiveram. Era uma situação bastante
desesperadora. Havia alguns colonos e crianças. O barbudo Clyde estava ali. Adam
Flint puxou sua bolsa de instrumentos e ajudou a todos que se encontravam
feridos. Limpou suas feridas, estancou sangramentos e distribuiu extratos
anestésicos para aqueles em dor.
Flint então lhes falou, naquele
seu tom sempre sério, sobre a prata e que mataram um dos lobos na capela. Dava
para ver um brilho crescer em seus olhos. Aquilo reacendeu algo em todos. Havia
admiração, esperança. Não cairíamos sem lutar. Marylin contou sobre usar o sangue
dos lobos, sobre como Derle não havia pegado a febre e sobre como notou que
apenas soldados estavam surgindo transformados com a febre. Outros também
perceberam.
- Era esse ponto onde queria
chegar – Flint a parou – Pelo visto a febre precisa de pelo menos umas seis
horas para se instalar. Alguém plantou a febre... Provavelmente na sopa que foi
separada só para os soldados... Alguém viu algo de estranho? Algum ingrediente
diferente?
Ninguém havia visto nada.
- Irei falar apenas por que os
únicos oficiais do acampamento aqui são Orlando e Derle... Que estavam externos
pela manhã. Algum dos soldados, provavelmente alguém ligado ao escritório do
secretário está ligado com o ataque dos lobos. E talvez sejam mais de um
envolvido. O que aconteceu esta noite não foi acidente. Alguém quer destruir
esse lugar.
Houve uma pequena comoção onde
todos tentavam falar ao mesmo tempo, mas Flint calou a todos.
- Não contei isso para gerar
caos. Quero que todos fiquem atentos e saibam onde estão pisando. Iremos agora
contar as armas e a munição de prata. Não gastaremos tudo de uma vez.
Houve mais alguns minutos onde
todos contaram suas teorias, medos e superstições sobre todos os fatos que
pudessem ser de alguma utilidade.
- Os monstros podem ser
Wendigos... Minha mãe falava sobre eles – Comentou Marylin – Eles comem carne
humana e podem alterar a própria forma... Independente do que sejam... Todos
aqui viram como esses monstros podem manipular a própria carne como argila. Se
houver um espião do acampamento fingindo ser um homem, mas que possa unir sua
carne e/ou se separar do corpo de outros monstros?
Prinkett e eu apenas observamos
Flint acenar com a cabeça. Pelo visto ele preferiu não contar sobre eles serem algo
como especialistas nessas criaturas. Alguns momentos depois Marylin chamou
discretamente eu e Flint em um canto.
- Eu-eu peço desculpas senhor
Flint. Eu não confiava no senhor algumas horas atrás. Para ser sincera eu não
confiava e ninguém do alto escalão do acampamento... O senhor... É um homem de
coração muito bom tenho certeza disso. Eu na verdade sei quem é a senhora que o
senhor está procurando! O nome dela é Gilfrieda e ela é uma senhora de bom
coração que vive escondida nas montanhas aqui próximas. Ela veio em um navio
espanhol, mas não tem nada com eles... Ela só deseja viver isolada e em paz com
seu Filho. Ela conhece muito sobre plantas e ervas, e ajudava o senhor Rupert
com uma doença crônica de intestino que ele tinha. Algumas vezes por mês ele
fugia do acampamento e se encontrava com ela escondido. Se ele estava ferido e
sobreviveu, existe uma chance grande dele ter ido até ela procurar ajuda.
A garota falou isso e depois
pulou em seu ombro, sussurrando algo em seu ouvido. Flint se contraiu e
escondeu o rosto com o chapéu, afastando-se rapidamente. O jovem então chamou
Roinar.
- Roinar, ficaremos aqui e
defenderemos a vila até o amanhecer, tenho uma missão especial para você. Uma
boa para um grupo pequeno. Escolha algum dos homens e vá até as montanhas. A
senhora que procuramos está lá, talvez Rupert também esteja... E talvez a
solução de toda essa confusão esteja lá também.
------------------------ Rutherford. Capítulo 8. “Safe”---------------------------------
Sair da casa barricada foi uma
insanidade. Testemunhei com meus próprios olhos homens que até poucas horas
atrás eram nossos amigos morderem e tirarem grandes pedaços de Leeroy que gritava
implorando “perdão a John White”. O que esse desgraçado quis dizer? Só por
causa do sacrifício dele consegui escapar pela janela. O único vivo dali.
Sozinho, me arrastei por um
acampamento completamente destruído, tentando chamar o mínimo de atenção
possível. Corpos estavam espalhados. Havia lobos mastigando colonos por todo
lado. Droga. Notei que eles não atacavam os infectados pela febre. Eu não
entendia mais nada. Como diabos eles estavam trabalhando juntos? Essa droga
toda parecia a porra de um pesadelo. Eles me notaram. Um dos lobos largou o que
estava fazendo e veio acelerando em minha direção.
Consegui me esconder por pouco em
uma sala de depósito pequena. Momentos depois a enorme cabeça de um lobo
atravessou a janela à minha frente com seus dentes monstruosos, babando e
rosnando. Com certeza após farejar meus machucados. Tinha uma faca em minhas
mãos, mas o medo da criatura me infectar era tão grande que apenas me contraí
onde estava. A bocarra agora está a menos de um metro do meu rosto, latindo e
mordendo o ar. Então eu vi, aterrorizado, do fundo da garganta surgir uma mão
humana. Juro por Deus. Uma mão vermelha como se fosse feita de órgãos
entrelaçados se esticava a partir da garganta do monstro em minha direção. Que
poço infernal havia parido essas aberrações?!
Fui salvo por um tiro que
acertou a cabeça do monstro por trás. Fazendo a criatura se contrair e
abandonar a janela por um momento. Era Norton, o agente funerário. Ele acertou
a criatura mais algumas vezes e fincou uma barra de metal nela. Ela recuou e
correu. Ele então me puxou pelos braços e me arrastou até um canto.
- Está bem, soldado?
Recomponha-se! Você é o único assistente sobrevivente? Só você pode resolver
uma coisa! Leeroy contou alguma coisa a você? Algum tipo de senha ou código?
- Tire as mãos dele de mim! Não
sei de merda nenhuma, seu falastrão. Dominik está morto. Leeroy está morto. O
acampamento está invadido. Esses monstros... Você sabe alguma coisa deles, não
sabe?
- Eu? De onde tirou isso?
- Você... Foi você! Você
negociou “as passagens” para alguém ir para a Espanha... Você vazou informações
do acampamento para alguém externo!
- Ora, veja bem, isso só pode ser
um mal-entendido...
Naquele momento apontei a faca
para a garganta do calhorda. – E agora precisa de alguém que conheça o
escritório, imagino... Para o que? Agora irá pilhar o ouro de nosso cofre,
desgraçado?!
Norton não ouviu tudo, um som
me fez virar o rosto e ele saiu correndo antes que eu terminasse de falar. Ele
estava ferido e mancava. Melhor assim. Aquilo me deu uma sensação ruim. Decidi
verificar se havia algo importante no escritório.
----------------------------------------------------------------------------------------------
Era como se um tornado houvesse
passado por ali. Havia papel jogado por toda parte. A pistola ornamentada não
estava mais na gaveta... E quando fui olhar o cofre de fundo de emergência que
apenas Dominik teria a chave... Estava aberto e vazio. Alguém havia pilhado
tudo...
Nesse momento houve uma grande
explosão algum lugar do acampamento. Que diabos está acontecendo lá fora?!
--------------------------- Orlando. Capítulo 9. “Sílex”--------------------------------
Eram duas e meia da manhã.
Saímos de dentro do porão da hospedaria todos armados e preparados com prata.
Não iríamos ficar esperando ser farejados como coelhos. Flint agora era algo
como nosso General.
Roinar escolheu Derle para ir com
ele, por saber vagamente qual local da montanha seria a base da velha senhora.
Os dois sabiam que seria praticamente uma missão suicida subir até aquela
montanha. Mas havia uma esperança. Algumas criaturas, Roinar comentou, se você
destruísse “o original” toda a prole morria. Supondo que fossem criaturas de
algum tipo de maldição. No único cavalo que ainda foi encontrado, marcaram de
subir e descer em seis horas no máximo cronometrou Flint. Marylin e Baker
ficaram com os colonos sobreviventes e trataram de barricar melhor o porão.
Voltamos ao corredor de casas
esperando que pelo menos um de nós sobrevivesse para contar o fim da história. Iríamos
proteger aqueles colonos inocentes no porão. Flint falou que, provavelmente, quando
o sol nascesse as criaturas, no mínimo, fugiriam. Era uma boa quantidade de
suposições.
Plum e Thorne foram se
esgueirando até o primeiro depósito de suprimentos, em busca de encontrarem algo
útil. Ainda seria uma longa noite. Nos minutos seguintes Eu, Flint, Prinkett e
Clyde despachamos pelo menos oito infectado pela febre. Eles eram apenas o
aperitivo. Os disparos chamaram a atenção dos lobos.
Quatro deles, incluído o maior lobo
que já vira, saltaram das sombras, movendo-se como se fossem um só corpo.
Prinkett, aquele pobre velho soldado, foi pego de surpresa e rasgado ao meio no
ar como se fosse uma boneca antiga. Flint acendeu uma dinamite e atirou entre
os lobos. O impacto da explosão os atordoou por um momento, o resto de nós
descarregou praticamente todas as balas de prata que possuía. Mesmo o menor
acerto fazia os lobos se contorcerem no chão, envenenados.
Quando os quatro estavam
mortos... Estávamos tão cansados que era como tivéssemos lutado por dias.
Feridos e sujos das explosões e fragmentos. Alguém se aproximou.
- Jesus Cristo, v-vocês três
pararam os monstros?! – Era um dos oficias do escritório, conhecido por Rutherford.
Flint o encostou em um canto e começou um interrogatório. O homem contou tudo
que presenciou nos último dois dias e Flint pareceu relaxado, depois passou a
pensar novamente como se ligasse pontos. Quando terminou tirou seu chapéu
encostado na parede. Exausto. Seus finos e curtos cabelos caíram sobre seu
rosto jovem.
Á luz da lua foi a primeira vez
que notei como suas feições eram delicadas, mesmo sob as pequenas cicatrizes.
- Hum... Senhor Flint? O
senhor... É uma garota?
Ela riu. – Acho que nessa
altura, não temos mais tempo para segredos certo, Orlando? Existem grandes
chances de não vermos o amanhecer vivos.
- Achei... Achei que o senhor
era um cirurgião inglês... Por que vocês guardam todos esses segredos?
- Onde acha que está, imbecil?
E eu sou uma cirurgiã... Na Itália eles treinam mulheres. A minha identidade é
secreta em missão. Já estou acostumada a ser homem... Acha que alguém levaria a
sério uma garota magricela em batalha?
Não tivemos tempo de conversar
mais que isso... Um rosnado violento cortou o ar, pelo menos mais 6 lobos
surgiram... Para nosso choque, eram os mais estranhos e deformados até agora.
Jesus, esse inferno não acabará nunca? Seus ossos estavam expostos, seus órgãos
pendurados arrastavam no chão deixando um rastro vermelho. Suas mandíbulas
deslocadas, em um deles pendurada apenas por um fio de carne.
------------------------ Rutherford. Capítulo 10. “Expiação”-------------------------
Eram umas duas e quarenta
quando encontrei outros sobreviventes no acampamento próximo à hospedaria. Eles
eram realmente impressionantes. Aparentemente enquanto estávamos sendo cercados
e abatidos como gansos eles tinham esse jovem corajoso chamado Adam Flint. Em
meio a esse caos ele descobriu que a fraqueza dos bichos é a prata. E foi ele
que explodiu a dinamite e na seqüência deu cabo de um bocado deles. Trocamos
informações e ele tem razão, alguém do escritório estava envolvido até os ossos
nessa merda toda. Aparentemente agora à pouco ele também revelou ser uma
garota. Seu nome verdadeiro era Evangeline Flint. Diacho. Aqui? No meio desse
inferno? Essa noite estava cada vez mais estranha.
Para nosso pânico mais lobos
bizarros surgiram. Todos se abrigaram e tentaram acertar o que podiam. Clyve
não teve tanta sorte, um dos monstros o puxou pela perna e dois deles o
rasgaram como um trapo podre.
De repente, disparos! Um dos
estranhos bigodudo estava na frente do primeiro armazém gritando.
- Venham, venham desgraçados,
provar um pouco desse traseiro!
Quando as criaturas avançaram ele trancou-se dentro do armazém. Poucos momentos depois uma grande explosão arrombou a porta de madeira em pedaços, fazendo os lobos voarem pelo ar. Se contorcendo. Thorne disparou o antigo canhão que estava no primeiro armazém... Eles o carregaram de utensílios e pedaços de prata. A explosão pegou os lobos de surpresa. Esses caras são loucos!
Os dois saíram de lá extra
preparados. Jogaram armadilhas de urso no chão. Thorne atirou uma machadinha em
um deles, o machado e as armadilhas tinham prata nos fios. Lentamente
conseguimos encurralar e xecutar os demônios. Ganhamos um bom tempo.
Já era quase de manhã quando
encontramos Norton encostado em uma das casas. Ele estava ofegante e uma poça
de sangue se formava abaixo deles por uma ferida em suas costelas.
- P-pelo visto não fui parte do
time, heh?
- Você não tem muito tempo de
vida. Não há o que fazer com essa sua hemorragia. Tem algo que queira
descarregar de sua consciência. – Falou uma fria Sra. Flint. – Fale e eu lhe
dou um anestésico para um sono tranqüilo.
O rosto do homem se contorceu
como em choro. – E-eu não sabia. Não tinha como saber... Eu trocava
correspondências com esse homem... “The Drummer” ele assinava. Ele me prometeu
dividir o ouro do cofre que Dominik desviava de John White... Eu arranjei
passagens para ele e eu fugirmos em um navio mercante espanhol em algumas
horas. Sua última carta... Ele me pediu para misturar um frasco na comida dos
soldados... E-ele me disse que era apenas um sonífero fraco, facilitaria
pilharmos o que pudéssemos... Oh meu bom Deus, com a consciência culpada só
misturei meio frasco... Só por isso todos não se transformaram...
Suspirei meio chocado com a
situação toda. A sra Flint não estava tão impressionada.
- Quem é o “the Drummer”? Você
sabe quem é. Eu sei que sabe.
- Era... Lerroy. Atualmente
morto. Mas era ele. Tenho certeza absoluta. O frasco veio junto com o
carregamento de medicamentos. Ele avisou na carta que seria o frasco laranja.
Para misturar na comida às 19:00. J-juro por Deus que não sabia que tudo isso
aconteceria...
A sra Flint deu o anestésico ao
homem. Sob protestos meus e de Orlando.
- Promessa é promessa. – Ela
falou com o homem no colo, enquanto seus olhos fechavam.
Ruídos estranhos parecerem
crescer por todos os lados. Ainda havia mais. Aqueles bizarros homens meio-lobo
surgiram andando de quatro e rosnando. Quase uma dezena deles. Baixinhos com
braços e pernas retorcidos e deformados. Apêndices de carne estavam pendurados
neles. Grunindo e cheiravam o ar. A cabeça lisa e os olhos vermelhos com
aspecto animalesco. Eram como o soldado havia me falado. Skinwalkers. Eles eram
mais fortes que lobos, mas ainda eram animais. Arrancavam carne à dentadas. A
prata havia acabado.
Marylin e alguns colonos
enfaixados surgiram. Apenas com ferramentas como armas. Iríamos lutar até o
último momento. Os monstros mataram um bocado deles... Marylin morreu também.
Vítima de um talho na cabeça.
Ouvimos disparos para o alto.
Era a cavalaria! Finalmente chegaram, provavelmente seguiram o som da explosão.
Combinados, todos se uniram para dar cabos dos rastejantes que mordiam e
saltavam como bestas. Em alguns minutos sangrentos eles estavam acabados.
8:00. Parece que o inferno chegou ao fim... O sol de equinócio agora começou a se erguer. Tínhamos chegado ao fim daquele pesadelo? Alguém gritou ao longe. Era um ferido soldado Derle caindo do cavalo. Só ele sobrou vivo da viagem. Seus olhos arregalados de terror e incredulidade. Ele tinha respostas para Flint sobre o que havia visto nas montanhas, ouvi depois. Respostas de gelar os ossos. Contou em seu ouvido e Flint fez aquela cara. Então correu como um raio. Ela tinha que alcançar a fronteira. Eu e Orlando corremos atrás dela.
------------------- Derle. Capítulo 11. “Lobo
comendo lobo”------------------------
A subida na montanha foi
brutal. Eu sabia mais ou menos o caminho e guiei Roinar. Quando estávamos no meio do caminho nos
deparamos com mais dois lobos, descendo a montanha. Diferentes dos outros.
Órgãos arrastando e ossos pulando para fora. Eram na verdade era um pouco mais
lentos e fracos que os outros. Tivemos sorte do cavalo não entrar em pânico.
Conseguimos desviar e matá-los com prata.
- É na verdade um bom sinal –
comentou Roinar – Eles vêm da montanha, isso está confirmado. E quanto mais tempo
passa mais eles regeneram. Temos que acelerar. Talvez ainda mais venham.
A montanha era íngreme no
final. Havia uma porta de madeira encostada. Lá dentro havia o cheiro da morte.
Havia mesas e poções quebradas espalhadas por todo lugar. A velha senhora
Gilfrieda estava morta no chão. Parecia ter havido luta, mas não muita. O nível
de putrefação faz parecer que a morte foi ontem... As feridas dela são condizentes
com lâmina. Mais à frente estava uma coisa chocante. Um gigante. Quase 4 metros
de altura. Acorrentado na parede em frente a um fosso. Seus olhos eram duas
bolas pretas, havia pequenos chifres na testa. Sua barriga parecia inchada e
ele parecia atordoado.
- Troll da floresta. Não é
daqui. Veio do norte da Europa. – Disse um Roinar pensativo. - Ele parece
doente... Eles são famosos pela regeneração acelerada... O sangue dessas
criaturas é um elixir valioso. De certeza a bruxa o mantinha dopado para tirar
ingredientes e catalisadores... Isso não explica absolutamente n...
A criatura então vomitou em
grande quantidade. A maior parte caiu no fosso. Uma caiu na borda... Uma mão
humana. Com pelos grisalhos. Se movendo de leve.
Roinar pareceu chocado. –
N-não... Isso só seria possível se... – Roinar então colocou fim na existência
da enorme criatura. Cortou seu pescoço em um movimento e separou-a do corpo.
Então abriu sua barriga. Havia diversos pedaços de um homem lá. Uma cabeça de
barba grisalha. Era Rupert. Eu o reconheci e avisei Roinar.
- Ele... É um lobisomem... Isso
explica tudo. Alguém o desmembrou... O mesmo que matou a velha. Então alimentou
o Troll com seus pedaços. Apenas a prata pode matar um lobisomem. Os pedaços dele
continuaram crescendo na barriga da criatura. E ele vomitando-as nesse fosso/vala
a cada algumas horas... Já havia ouvido falar disso... Se os pedaços não tem um
corpo próximo para retornar eles acabam regredindo a um estado animal. Cada
pedaço cresceu como um lobo independente... Cobertos de fedorento ácido
estomacal do Troll que retardou a regeneração completa deles... “Criaturas pela
metade vivem vidas pela metade” como os selvagens dizem. Cada lobo não carrega
a maldição suficiente para serem considerados lobisomens... Nem quem eles
mordem... Lobos feridos poderiam até se misturar de novo, e moldar a carne em
formas estranhas... Como se lembrassem vagamente que são um homem...
D-desgraçado... Quem fez isso agiu cronometrando que juntaria da noite de ontem
para a noite de hoje lobos suficientes para acabar com o acampamento.
Era informação demais para
minha cabeça. Mas engoli como podia. No momento a prioridade era voltar e
contar a todos o que houve aqui.
Quando descemos no fosso para
encerremos tudo, encontramos a última “fornada” de lobos. Dois deles. Mal
levantavam em pé. Roinar Teve azar. O pegaram logo na entrada da caverna.
Malditos. Rasgaram seu pescoço saltando em um ataque sorrateiro. Roinar lutou
até o fim, cravando a faca com prata em seu atacante. O homem morreu com um
sorriso nos lábios. Uma morte de guerreiro.
Havia metades de corpos e cabeças de lobo se arrastando pelo fosso. Matei os lobos restantes com sua lâmina. E agora não havia mais nenhum pedaço vivo do velho Rupert. Corri para o cavalo.
------------------- Orlando. Capítulo 12. “Drama”-------------------
Eu e Flint descemos de nosso
cavalo bem a tempo de pegarmos o homem encapuzado subindo no barquinho em
direção ao lado espanhol.
- Parado aí – Flint falou
apontando a arma em sua direção.
- O homem se virou para ela.
- “The Drummer”, ou melhor,
chefe do canil Blackberry. Você foi descoberto.
O homem puxou o capuz e revelou
um desconfiado assistente Blackberry.
- Diabos, devia ter me livrado
de você quando tive chance.
Lembro de ficar absolutamente
chocado. - Como assim? Rutherford viu um lobo o arrastar vivo!
- O buraco no muro Leste... Não
poderia ter sido feito por uma só pessoa em um dia. A menos que... Fosse uma
pessoa com força sobre humana. Foi aí que notei. Você também é um lobisomem,
senhor Blackberry. E imagino que essa bolsa do seu lado seja o ouro que você combinou
de dividir com Leeroy e Dominik, desviado da reserva de emergência de John
White... Sem avisar a eles que os lobos e a febre destruiriam o acampamento
antes.
- Isso tudo... Era um plano só?
– Eu estava atônito.
- Eu irei explicar... O senhor
Blackberry aqui chegou ao acampamento a poucos meses descobriu que o velho
Rupert era um lobisomem. Provavelmente o outro não descobriu por Blackberry
viver coberto do cheiro dos cães do canil. Lobisomens são criaturas
territorialistas e ele ficou com medo de Rupert, que era amigo de John White, o
desmascarar. Ele também descobriu que Leeroy e Dominik desviavam ouro, talvez tenha
até coagido Dominik de que deveria repartir o ouro com ele também. Os três
desconfiavam que Rupert, que vivia zanzando dentro do escritório, já suspeitava
de algo acontecendo, então seria conveniente “que ele sumisse” como Marylin
ouviu Dominik dizer. E então ele viu algo que o fez bolar um plano... – Flint suspirou.
- O mestre do canil, ao seguir
Rupert, descobriu que ele visitava a velha bruxa na montanha para conseguir
“remédio para sua doença”. Que na verdade era a licantropia. A senhora preparava
algo para ele resistir à noite de Lua cheia por alguns dias sem se transformar.
Coisa essa que Blackberry provavelmente também tomou, após matar a velha e
desmembrar seu alvo. Por isso ele não se transformou no acampamento. Percebendo
o potencial de regeneração do Troll ele decidiu que iria transformá-lo em uma
“fonte de lobos”. Seria o momento perfeito. O efeito da lua cheia só dura
alguns dias. Quando ela passasse, ao amanhecer, os pedaços de Rupert iriam
tornar-se pedaços de homem comum, não regeneram. De uma tacada só ele iria destruir
a vila, pegar todo o ouro e fugir para ter vida nova em território espanhol com
as passagens que ele comprou de Norton como “the Drummer”.
Blackberry gruniu. – Tenho
quase duzentos anos vivendo vagando por esse mundo miserável lidando com
criaturas que vocês nem sonham, moleques, o que me entregou?
- Você deixou uma pista. O
braço enfaixado com a leve cicatriz reta. Não é seu. Você levou o braço de
Rupert, o raspou, pois os pelos grisalhos poderiam entregar o disfarce, e
“enxertou” ele no lugar do próprio braço com sua regeneração acelerada.
- P-porquê ele faria isso? – Eu
estava tentando acompanhar.
- Justamente por que são
territorialistas. Os lobos que nasceram de Rupert iriam estar cheios de ódio.
Ódio pelo lobisomem que os matou. Blackberry sabia disso e plantou o próprio
sangue e cheiro nos uniformes dos sentinelas e nos outros assessores. Sabia que
os lobos dariam prioridade para eles antes de atacarem os outros. Usar o braço
do dono original deixaria eles um pouco confusos. Ele até guardou uma pistola
ornamentada com uma bala de prata para usar num teatro de emergência, quando um
dos lobos o arrastasse na frente de várias testemunhas. Ele ainda tem força e resistência
maior que a humana, o lobo não o mataria fácil. Quando havia se afastado o
suficiente ele atirou no lobo que o arrastava.
- M-mas no acampamento todos
acham que o oficial Leeroy...
- O oficial Leeroy levou a
caixa de medicamentos onde Norton pegou o frasco amarelo. Essa parte é verdade
e tem testemunhas. Mas foi Blackberry que plantou o frasco lá e avisou Norton
qual era para ele escolher. Aliás, foi Leeroy que escreveu a carta pedindo
reforços aos navios... Mas eu não ficaria surpreso se aquele que levou a última
entrega de cartas até o mensageiro tenha sido Blackberry. Assim ele pôde tirar
a carta dali e deixar todos nos forte à própria sorte. O mensageiro deve até
conhecê-lo pessoalmente.
- Você... Me avisaram que era
inteligente... Meu plano era à prova de falhas... Mas e aí? O que você fará? Me
entregará às autoridades? Elas nunca acreditarão em você... – Blackberry falou
com um meio sorriso.
- Você interpreta minhas
atribuições errado. Não estou aqui para levar o mal a julgamento. Estou aqui
para impedi-lo. – Ao falar isso Flint deu um disparo de sua pistola com uma
bala de prata bem no meio da testa de Blackberry, que mal teve tempo de dar um
suspiro. Caiu na água, boiando como um tronco podre. Flint tirou o chapéu e coçou
a cabeça. Agora estava terminado.
- Agora me vou, Orlando. Foi um
prazer servir com você. – O senhor Flint falou, ajustando de volta seu chapéu
pela última vez e tocando um apito que possuía no pescoço. Poucos minutos
depois sua égua apareceu, ainda com o restante de seus equipamentos.
Lembro de sentir meu coração
pesado - Está falando sério? Como vamos explicar o que aconteceu lá no
acampamento?
- Sei que darão um jeito – Ele
falou com um grande sorriso – Não sou bom com multidões, e já tive minha dose
de ação. Diga que desejo sorte e vida longa a todos.
- Nós... Não nos veremos mais
certo?
- Acredito que não jovem
Orlando. Você é o homem mais corajoso do acampamento, para ter resistido com
sanidade até aqui. Uma qualidade pouco reconhecida, mas que nos fez sobreviver a
essa noite. – Nunca esqueci essas palavras.
Ao falar isso acelerou com sua
égua.
No acampamento foi tudo
bastante autoexplicativo. Os novos oficias ficaram boquiabertos quando a lua
cheia passou e o sangue e carne dos lobos evaporou como cinzas sob o sol. O
senhor Plum e Rutherford explicaram da melhor forma que puderam. De repente
houve tensão no ar. Um grupo de selvagens surgiu no horizonte... Eles se
aproximaram dos portões do forte. Um que conseguia se comunicar começou.
- Já sabemos o que houve aqui...
Esta noite vários crimes contra a natureza foram cometidos... Vocês trouxeram
espíritos de lobos com vocês nos seus navios... Chega... Esse lugar deve acabar...
Não é mais problema de vocês, limparemos o local como se vocês nunca tivessem
pisado aqui.
Na verdade John White deixou
instruções para um caso de calamidade acontecer no acampamento. Os vinte
colonos sobreviventes foram guiados até uma tribo próxima e os soldados restantes
recolheram suas armas e voltaram aos navios. Incrédulos. Alguém cravou
“Croatoan” em uma árvore. Para simbolizar a vila que iriam. A história do que
aconteceu aqui... Não pode se perder no tempo. Tenho muito orgulho de ter
combatido naquele dia e estou bastante cansado. Irei dormir um pouco agora,
caro leitor. Fiz questão de colocar tudo no papel enquanto ainda está fresco.
Jamais esquecerei dos olhos de nosso grande general Flint.