Moro no Norte dos Estados Unidos, no Canadá... E o inverno aqui costuma ser rigoroso.
O inverno é, na maioria das culturas, símbolo de morte e isolamento. A preparação para o que vai vir.
Todas as estações estimulam sentimentos no homem. A primavera, por exemplo, lembra vida e criação. O verão é quente, lembra praia e pessoas sorridentes.
O inverno dentro do ciclo das estações é a pior e mais cruel. São os meses em que as plantas irão morrer para renascer na primavera, e onde os homens, assim como os animais, ficarão juntos buscando calor e abrigo.
Por muito tempo fiquei sem falar uma palavra sobre isso. Mas hoje irei contar minha história...
Quando eu era criança, e desde muito pequeno, adorava fazer bonecos de neve. Meu pai trabalhava em uma madeireira e era um homem muito gentil, ele tinha mãos grandes, e era ótimo em trabalhos manuais, em mexer com a neve. Ele sempre fazia bonecos de neve muito bem feitos, que me alegravam. E ele me ensinou que mesmo em uma época triste, como o Inverno, o homens deveriam se divertir e retirar beleza da terra.
Eu, por causa disso, aprendi a ver a beleza na neve e desde então em todo Inverno, fazia um boneco de neve ao lado do de meu pai. É claro que o dele sempre ficava bem melhor. Tudo ia bem.
Até o “Mãos de Gelo” surgir.
Eu... Ninguém sabe ao certo... Se o “Mãos de Gelo” seria realmente uma pessoa, um assassino. Alguns acreditavam que ele era uma criatura, um espírito da neve, que todo inverno vinha buscar almas dentro de nossa pequena cidade.
No começo pareceu um acidente, uma coincidência. Mas aí se repetiu ano após ano, os assassinatos. Todo ano alguém aparecia morto do mesmo jeito. Eram encontrados mortos como se tivessem ficado no gelo muito tempo, depois arrastados para dentro de suas casas, os olhos brancos e congelados. Em seu corpo apareciam marcas arroxeadas e escuras, no formato de grandes mãos.
O último ano em que ele apareceu foi quando meu pai sumiu. Foi em certa manhã de Novembro, quando eu tinha 15 anos. Acordei e descobri que meu pai não estava em casa. Os dias passaram e minha mãe ia ficando cada vez mais tensa.
A única lembrança que ele havia me deixada era um boneco de neve, o maior que ele havia feito. Apareceu na frente de nossa casa no mesmo dia em que ele desapareceu.
Acreditei que era uma lembrança dele para mim, antes de partir.
E era mesmo.
Naquele ano o “Mãos de Gelo” já havia matado sua vítima. E era um fato conhecido que ele só matava uma pessoa por ano. A vítima havia aparecido morta na mesma noite em que meu pai não havia voltado para casa.
Somente depois de vários dias entendi a tensão de minha mãe.
Lembro dos vizinhos estarem a pressionando, perguntando aonde ele havia ido, e o que ele estava fazendo naquela noite, quando o “Mãos de Gelo” atacou.
Ela não respondia, apenas chorava muito. Aquilo devia ser demais pra ela. Acho que o pior momento foi quando ouvi um de nossos vizinhos comentando “Ele era um homem acima de suspeitas até demais... e tinha mãos bem grandes sabe...”
Aquilo havia me perturbado pra valer... Como eles podiam pensar aquelas coisas de meu pai, que nunca havia feito mal a ninguém?
Eu me sentia terrível também, mas não chorava. Quando estava triste, sentava ao lado do boneco de neve nos fundos de casa, a lembrança que meu pai me deixou, e me sentia aliviado.
Passei a maior parte do inverno assim. Brincava ao redor do boneco, lanchava ao redor do boneco. Minha mãe entendia a situação e me deixava daquele jeito. Às vezes eu conversava com o boneco, no fundo, eu acreditava que as minhas palavras iriam chegar aos ouvidos de meu pai.
Não vou negar que o tempo começou a me deixar paranóico também, eu comecei e realmente me lembrar dos anos anteriores. Memórias que pareciam pequenas e sem importância naquelas épocas passadas, começaram a voltar.
Um dia que meu pai tinha voltado mais tarde... Uma noite em que ele sumia e voltava no outro dia... Não podia ser eu me recusava a acreditar. Meu pai não era um assassino, ele estava na madeireira nesses dias. Ele não faria uma coisa dessas.
Ou faria?
E aconteceu aquele dia no final de dezembro. Aconteceu de novo, um de nossos vizinhos amanheceu morto, seus olhos congelados, marcas de mão por todo o seu corpo.
É difícil admitir, mas lembro que fiquei meio feliz com a notícia, agora sabia que não tinha sido meu pai.
Ainda assim não podia ser possível, três vítimas em uma ano? O povo de cidade se revoltou. Em sua paranóia eles ficaram mais agressivos e começaram a desconfiar uns dos outros.
Enfim, eu havia ficado mais aliviado de qualquer jeito, e continuei levando vida normalmente.
Março estava chegando, o Gelo começou a derreter. Era o início da Primavera
Certa manhã eu estava brincando na neve, do lado de fora de casa. Vi um jornal antigo jogado no chão, perto da porta dos fundos. Limpei a neve que o havia molhado parcialmente e vi a manchete “A terceira vítima do Mãos de Gelo”.
Lembro que alguns meses atrás, quando a matéria era nova, não tive coragem de ver as fotos estampadas na capa. Mas agora eu estava mais relaxado, comecei a analisar as imagens.
Mas... Havia algo errado. Bem, eu pensei na época, deve ser só coincidência, talvez um erro na luz da câmera...
As mãos roxas no terceiro cadáver... As mãos eram tão pequenas.
Como falei, a neve estava derretendo nessa época. Ouvi um punhado de neve cair perto de mim, automaticamente olhei para o meu lado.
E então eu vi.
E meu rosto não conseguiu desgrudar os olhos horrorizados.
O boneco de neve estava se desfazendo. Por dentro do boneco de neve, estava meu pai, morto. Sentado em uma cadeira, seus olhos brancos e congelados, sua boca aberta como se congelada em um grito.
Ele esteve lá o tempo todo.
Eu gritei de horror, gritei como nunca havia gritado.
Marcas de mãos pequenas e roxas em seu pescoço. Um placa congelada em suas mãos.
“Adeus geração velha, feliz geração nova”
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